
Aos 16 anos participou de algumas manifestações de rua durante a campanha nacionalista ‘O petróleo é nosso’. Tinha como livro de cabeceira a obra Guerra e Paz, de Tolstoi. Nessa época já havia tomado uma firme decisão: queria ser oficial do Exército Brasileiro. A carreira então projetada foi ganhando contornos definidos. Formou-se, em 1960, pela Escola Militar das Agulhas Negras, em Resende (RJ), obtendo a patente de Capitão em 1967. Em entrevista concedida ao periódico chileno Punto Final, em abril de 1970, dizia Lamarca: ‘Sou um dos poucos oficiais brasileiros de origem operária. Estudei com sacrifício de meus pais e escolhi a carreira por entender que as Forças Armadas teriam condições de contribuir para o desenvolvimento e emancipação do meu País. Logo me desiludi.’
Em setembro de 1962, Lamarca foi recrutado para integrar o contingente militar da Organização das Nações Unidas. Seu destacamento permaneceu um ano na zona de Gaza, no Egito, perto do canal de Suez. Regressando ao Brasil, foi designado para servir num batalhão da Polícia do Exército, na cidade de Porto Alegre (RS), período em que, admirando a tentativa de resistência de Leonel Brizola ao golpe de 1964, solicitou inscrição junto ao Partido Comunista Brasileiro, que nunca chegou a se formalizar.
Mas foi em São Paulo, no quartel de Quitaúna, para onde pediu transferência em 1965, que Lamarca, estudando e discutindo com um grupo de companheiros as perspectivas de luta armada, fez sua opção revolucionária. Era preciso buscar ‘um caminho para a revolução brasileira’, que, nos termos da referida entrevista, supunha modificar a situação agrária e, por conseguinte, ‘romper com todo o sistema, baseado e construído exatamente sobre o atraso e a miséria de nossas regiões rurais’. Para tanto, era necessário construir ‘a primeira coluna guerrilheira, alternativa do poder das classes dominantes, embrião do futuro Exército Popular’, com a simultânea implantação de ‘guerrilhas irregulares em todos os pontos importantes do País.’ Influenciado pela revolução cubana e pelos movimentos guerrilheiros latino-americanos, Lamarca passou a defender as teses de Guevara e Régis Debray, teóricos do foco guerrilheiro: um pequeno grupo de homens bem treinados e bem armados, atuando em alguma área do campo, poderia desencadear a luta armada e despertar as massas para a insurreição.
Já estava organizado, em 1967, o grupo de Carlos Marighella, a Ação Libertadora Nacional (ALN), e havia também um grupo de militares expulsos das Forças Armadas que mantinham ligações com operários metalúrgicos de Osasco e outros setores proletários da região industrial de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano. Lamarca acompanhava com grande interesse o grupo de ex-sargentos que, inicialmente vinculado ao Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), uniu-se a um setor dissidente da Política Operária (POLOP) e deu origem à Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Sua perspectiva, naquele momento, era a de entrar em contato com algum grupo da esquerda armada brasileira que o aceitasse como simples militante e oferecer, de imediato, a possibilidade de realizar uma ação de expropriação no quartel de Quitaúna.
‘Durante esses anos’ - prossegue Lamarca na mesma entrevista - ‘busquei contato com as organizações revolucionárias que propusessem um caminho para a revolução brasileira de acordo com as conclusões a que eu chegara’. As numerosas discussões então realizadas com Joaquim Câmara Ferreira, um dos principais dirigentes da ALN, levaram-no a optar por outra linha política, a da VPR. Passou a integrar a célula do IV Regimento de Infantaria.
Por iniciativa de Lamarca, preparou-se a ação de expropriação de armas e munições do quartel, com o imediato ingresso de toda a célula na guerrilha urbana. Em 24 de janeiro de 1969, Lamarca deixou Quitaúna com a carga de 63 fuzis FAL, algumas metralhadoras leves e muita munição. A idéia era seguir imediatamente para uma região onde pudesse preparar a guerrilha, o que o obrigou, de imediato, a separar-se da mulher e dos filhos, enviados para Cuba, via Itália, no mesmo dia de sua deserção.
Lamarca passou 10 meses trancado em ‘aparelhos’ na cidade de São Paulo, vivendo clandestinamente, até seguir para o Vale da Ribeira, com mais 16 militantes, a fim de realizar um treinamento em guerrilha. Lá permaneceu até maio de 1970, quando a região foi cercada por tropas do Exército e da Polícia Militar. Houve combates, mas Lamarca conseguiu romper o cerco ao lado de dois companheiros, após a retirada de vários outros. A ‘Operação Registro’, como a denominou o II Exército, durou 41 dias e resultou na prisão de quatro guerrilheiros.
De volta à cidade, continuou no comando e planejamento de ações armadas, para resgatar prisioneiros políticos e obter recursos para a sobrevivência da organização. Foram ao todo dois anos e oito meses de clandestinidade, nos quais reforçou seu caráter introspectivo e exercitou sistematicamente – com a mesma disciplina que emprestava ao treinamento físico – o hábito de ler e escrever. Nas sucessivas mudanças a que era obrigado por razões de segurança, de duas coisas nunca se separava: da arma e dos manuscritos, que intitulava provisoriamente de ‘Estudos militares’. Utilizando como nomes de guerra João, Renato, Cláudio, César, Cid e Cirilo, Lamarca não se limitou a traçar as estratégias de algumas das ações da VPR, mas participou diretamente do comando de seqüestros e expropriações.
Em abril de 1971, em discordância com a VPR, ingressou no Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8). No mês de junho, Lamarca foi para o sertão da Bahia, no município de Brotas de Macaúbas, com a finalidade de estabelecer uma base desta organização no interior.
Com a prisão em Salvador, em agosto, de um militante que conhecia seu paradeiro e a localização de um aparelho onde se encontrava a psicóloga paulista Iara Yavelberg, companheira de Lamarca desde 1969 (Iara suicidou-se com um tiro de revólver no dia 23), os órgãos de segurança iniciaram o cerco à região. A direção do MR-8 não cuidou de retirá-lo de lá, mesmo considerando que Lamarca não tinha poder de decisão, pois se recusara a participar da organização como dirigente.
Um tiroteio travado entre a polícia e os irmãos de José Campos Barreto, o Zequinha, que acompanhava Lamarca, obrigou-os a iniciar uma longa e penosa rota de fuga, de 28 de agosto a 17 de setembro, com um percurso de quase 300 quilômetros. Ao descansarem à sombra de uma baraúna, foram surpreendidos pela repressão. Lamarca estava desnutrido, asmático, provavelmente com a doença de Chagas.
A imprensa brasileira apresentou na ocasião duas versões sobre o diálogo que teria havido entre Lamarca e o ‘agente federal’. Para O Globo, foram apenas três frases: ‘Você é Lamarca?’ – ‘Sou o Capitão Carlos Lamarca.’ – ‘Era. Agora você vai ser defunto.’. A versão da maioria dos jornais foi um pouco mais longa: ‘Quem é você?’ – ’Carlos Lamarca.’ – ‘Sabe o que aconteceu com a Iara?’ – ‘Ela se suicidou em Salvador.’ – ‘Onde está sua mulher e seus filhos?’ – ‘Estão em Cuba.’ – ‘Você sabe que é um traidor da Pátria?’. Lamarca teria morrido sem responder a esta última pergunta.
O desfecho que, com pequenas variações, caracteriza a versão oficial da morte de Lamarca, reforçada mais tarde pela publicação do chamado Relatório Pajussara do Major Cerqueira e consagrada pelo filme de Sérgio Rezende, é inverossímil. Os que o caçaram pelos sertões da Bahia deveriam temer, na realidade, o vigor, a atilada inteligência, os reflexos precisos, o esmerado preparo militar do Capitão Lamarca, e jamais entrariam em sua linha de tiro. Limitaram-se a matar em silêncio um homem desfalecido.

A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça concedeu ontem a patente de coronel do Exército a Carlos Lamarca, que morreu como capitão. Símbolo da “resistência radical” à ditadura militar, nas palavras do ministro Tarso Genro (Justiça), o guerrilheiro foi morto em 1971 pela repressão.
Com a decisão, Maria Pavan Lamarca, viúva do terrorista, terá direito a uma pensão mensal equivalente à de general, R$ 12.152,61. Na carreira militar, após passar para a reserva com mais de 30 anos de serviço, o militar recebe o salário do posto superior ao seu.
Além da promoção, a comissão reconheceu a condição de perseguidos políticos da viúva de Lamarca e de seus filhos César e Cláudia Lamarca, concedendo aos três uma indenização de R$ 100 mil para cada um, referente aos quase 11 anos em que viveram exilados em Cuba.
O caso de Lamarca foi escolhido para a sessão inaugural dos novos conselheiros da Comissão de Anistia. Tarso disse não acreditar em reação dos militares, que consideram o terrorista um desertor.
“Não acho que haverá reações, a decisão foi unânime, com o voto do representante [Henrique de Almeida Cardoso] do Ministério da Defesa.” Na opinião do ministro, foi uma decisão “juridicamente correta e politicamente adequada”.
A Justiça Federal de São Paulo já havia concedido pensão à viúva de Carlos Lamarca em 1993 e determinado o pagamento de um valor mensal de R$ 9.963,98, equivalente ao rendimento bruto de um coronel do Exército. O Superior Tribunal de Justiça reafirmou a decisão em 2002, após indeferir recurso da União.
A comissão do Ministério da Justiça decidiu ainda pagar retroativamente a 1988 a diferença entre a pensão decidida pela Justiça e a concedida ontem. A mudança do valor da pensão e as indenizações de R$ 100 mil serão pagas em no máximo 90 dias, de acordo com o presidente da comissão, Paulo Abrão.
Na sessão, a filha Cláudia Lamarca, 44, disse ser um “momento historicamente importante, porque foi reconhecido que houve excessos do Estado”.
Indenizações
Os familiares do terrorista receberam o teto de indenização (R$ 100 mil), correspondente a 30 salários mínimos por ano de perseguição política, segundo diz a legislação.
Abrão disse que a viúva e os dois filhos foram considerados perseguidos políticos por haver registros de monitoramento de suas vidas no SNI (Serviço Nacional de Informações).
O julgamento de Lamarca marcou a primeira reunião dos 22 novos conselheiros da comissão. Vinte deles são indicados pelo presidente da comissão e aprovados pelo ministro da Justiça. Os outros dois são indicados pelos anistiados e pelo Ministério da Defesa.
Criada em agosto de 2001, a Comissão de Anistia já analisou 29.079 pedidos de anistia. De acordo com Paulo Abrão, 55% deles foram considerados procedentes, o que representou aos cofres públicos um gasto de R$ 2,3 bilhões nos últimos seis anos.
Em 24 casos, as indenizações de prestação mensal chegaram a R$ 3 milhões, o que gerou críticas. Ontem, Tarso Genro reconheceu que esses valores são polêmicos, mas disse que não há discussão sobre o tema.
O ministro disse ainda que a intenção do governo é dar por encerrado os trabalhos da comissão até 2010. Ainda existem 28.558 processos para serem analisados.
Fonte: Folha de S.Paulo
Colaboraram com esta pesquisa para o Mural da Ucsal
Gabriel,Adriana e Carla
Acadêmicos de História da Ucsal-Campus da Federação
(Sem Fotográfias por equanto )
Fico muito contente, pois Lamarca foi um icone da resistencia, um prisma a ser segudo, traidor da patria foram os crapulas que o mataram covardamente a serviço de capitais e governos estrangeiros junto com algus banqueiros e industriais brasileiros, estes deveriam ser julgados e presos. é mais que justo esta indenização, pra mim o Lamarca foi o nosso tche!
ResponderExcluirMarcelo Barbagallo , Ibiúna SP
Concordo plenamente colega!
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