Dirley da Cunha Jr
Juiz Federal da Seção Judiciária da Bahia. Doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP. Mestre em Direito Econômico pela UFBA. Pós-graduado em Direito pela Universidade Lusíada (Porto/Portugal) e pela Fundação Faculdade de Direito da Bahia. Ex-Promotor de Justiça do Estado da Bahia (1992-1995). Ex-Procurador da República (1995-1999). Professor-Doutor (concursado) de Direito Constitucional da Universidade Católica do Salvador. Professor do Mestrado e Doutorado em Direito da Universidade Federal da Bahia e professor-visitante do Mestrado da Universidade Federal de Alagoas. Professor-Conferencista de Direito Constitucional da Escola da Magistratura do Estado da Bahia (EMAB), da Escola Superior da Magistratura de Pernambuco (ESMAPE) e da Fundação Escola Superior do Ministério Público da Bahia (FESMIP). Professor-Coordenador do Curso de Pós-graduação em Direito do Estado da Faculdade Baiana de Direito e do Curso Juspodivm. Professor de Direito Constitucional e Administrativo dos Cursos Juspodivm. Professor e Coordenador do Núcleo de Direito do Estado da Faculdade Baiana de Direito. Membro da Associação Brasileira de Constitucionalistas Democratas (ABCD). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional (IBDC). Presidente fundador do Instituto de Direito Constitucional da Bahia (IDCB).
A contribuição de Hans Kelsen para o controle de constitucionalidade de normas - uma pequena reflexão sobre o modelo austríaco de controle
Este breve arrazoado remete à importância do jurista Hans Kelsen para o controle de constitucionalidade. O presente artigo não tem a pretensão de esgotar o tema, mas tão somente de apresentar ideias básicas que influenciaram o controle da constitucionalidade das normas no Brasil.
O referido autor contribuiu sobremaneira para o desenvolvimento do referido controle, em especial por suas proposições que resultaram na criação de Tribunais Constitucionais, para a efetiva avaliação de constitucionalidade, dado que o Legislador não pode estabelecer o controle sobre normas por ele mesmo produzidas.
Nesse sentido, ensina o Professor Dirley da Cunha Júnior:
“KELSEN, em suma, defendeu a criação da jurisdição constitucional, em especial de um Tribunal Constitucional, partindo do pressuposto de que ninguém pode ser juiz em causa própria, de modo que: não se pode confiar a invalidação de uma lei inconstitucional ao mesmo órgão que a elaborou; assim, tal competência deve ser atribuída a um Tribunal Constitucional.”[1]
A criação de um Tribunal constitucional retira da órbita do legislador o controle sobre a constitucionalidade de suas normas e ao mesmo tempo invoca a necessidade de se concentrar tal controle em um Tribunal Constitucional, o que, no caso brasileiro, ainda que não em sua totalidade, dado o julgamento de recursos extraordinários advindos de outras instâncias, o Supremo Tribunal Federal.
O modelo de controle concentrado, por seu turno, está assim definido pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes:
“O controle concentrado de constitucionalidade defere a atribuição para o julgamento das questões constitucionais a um órgão jurisdicional superior ou a uma Corte Constitucional. O controle de constitucionalidade concentrado tem ampla variedade de organização, podendo a própria Corte Constitucional ser composta por membros vitalícios ou por membros detentores de mandato, em geral, com prazo bastante alargado”[2]
É de se ver que a ideia kelseniana infundiu na cultura jurídica a concepção de Corte Constitucional. Veja-se que suas ideias foram apresentadas quando da construção de uma nova sistemática constitucional na Áustria, no início do século XX, a pedido do próprio governo austríaco. Atente-se para o fato de que a concepção de controle de constitucionalidade já existia nos Estados Unidos. No entanto, somente após os estudos de Kelsen é que, na promulgação da Constituição austríaca de 1920, é que se lançou, no continente europeu, a noção de controle de constitucionalidade.
De fato,
“KELSEN concebeu um sistema de jurisdição constitucional “concentrada”, no qual o controle de constitucionalidade estava confiado, exclusivamente, a um órgão jurisdicional especial, conhecido por Tribunal Constitucional, sistema, portanto, significativamente distinto do sistema de jurisdição constitucional “difusa” do direito norte-americano.”[3]
Nesse caso, o único órgão habilitado a determinar a constitucionalidade ou não de determinada lei seria o tal Tribunal Constitucional, definido nas ideias de Kelsen, que também trazia em suas concepções a ideia de sanção associada à inconstitucionalidade e possibilidade de um procedimento de anulação do ato inconstitucional pelo órgão competente. Nesse caso, o jurista
“não se limita (…) a reconhecer a sanção como elemento integrativo do conceito de inconstitucionalidade. Considera indispensável, igualmente, a existência de uma sanção qualificada, isto é, do procedimento de anulação do ato inconstitucional por órgão competente.”[4]
Assim, e de acordo com as ideias kelsenianas, o Tribunal Constitucional assume o monopólio do controle de constitucionalidade, trazendo para si a competência da referida declaração. Destaque-se ainda o fato de que a teoria de Kelsen estabelece ainda o entendimento de que o Tribunal Constitucional exerce uma espécie de Poder Legislativo Negativo[5], ao julgar única e tão somente a legislação em abstrato e se ela é ou não compatível com a ordem constitucional vigente.
Assim, leciona o Professor Dirley da Cunha Júnior:
“Com efeito, na visão kelseniana o Tribunal Constitucional não julga nenhuma pretensão concreta, mas examina tão-só o problema puramente abstrato de compatibilidade lógica entre uma lei e a Constituição. Daí haver KELSEN assegurado que não há nesse juízo puramente lógico uma aplicação ou não aplicação da lei a um caso concreto, de modo que não se estaria, em conseqüência, diante de uma verdadeira atividade judicial, que supõe sempre uma decisão singular a respeito de um caso controvertido. Se assim o é, diz KELSEN, o Tribunal Constitucional é um legislador, só que um legislador negativo. Ambos os órgãos – o fiscalizado e o fiscalizador – são legislativos, só que o Tribunal Constitucional tem organização jurisdicional. Em decorrência disso, KELSEN sustenta que, enquanto uma lei não for declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, ela presume-se válida, circunstância que veda aos juízes e tribunais ordinários deixar de aplicá-las. Desse modo, não haverá, no sistema proposto por KELSEN, um vício de nulidade como ocorre no sistema difuso, mas, sim, de mera anulabilidade, o que implica em emprestar às decisões da Corte Constitucional uma natureza meramente constitutiva, com eficácia ex nunc, isto é, somente para o futuro.”[6]
Vale consignar a real importância do modelo austríaco de controle concentrado, tanto o é que o mesmo foi difundido pelo continente europeu, influenciando o sistema constitucional italiano, alemão, cipriota, turco, iugoslavo, espanhol, português e belga[7], demonstrando a sua força.
É de se atentar, por fim, que o sistema constitucional brasileiro, inserto na Constituição Federal de 1988, contém elementos do controle concentrado instituído pela teoria kelseniana, uma vez que há a possibilidade do controle em abstrato das normas, por forças de ações diretas de inconstitucionalidade e das ações declaratórias de constitucionalidade, julgadas diretamente pelo Supremo Tribunal Federal e Tribunais de Justiça Estaduais, órgãos diversos daqueles em que as normas são produzidas, demonstrando a importância das ideias de Hans Kelsen para o desenvolvimento do controle de constitucionalidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CUNHA JUNIOR, Dirley. O Controle de Constitucionalidade e sua legitimidade democrática ante o novo paradigma do Estado Democrático de Direito. Breves Anotações. Controle de Constiticuinalidade: Teoria e Prática. Salvador: JusPodivm, 2006. Material da 1ª aula da Disciplina Teoria Geral do Controle de Constitucionalidade, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito do Estado – Anhanguera-Uniderp|Rede LFG
CUNHA JUNIOR, Dirley. Controle de Constitucionalidade: Teoria e Prática. Salvador: JusPodivm, 2006. Material da 2ª aula da Disciplina Teoria Geral do Controle de Constitucionalidade, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito do Estado – Anhanguera- Uniderp|Rede LFG.
MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional – São Paulo: Saraiva, 2007
Notas:
[1] CUNHA JUNIOR, Dirley. O Controle de Constitucionalidade e sua legitimidade democrática ante o novo paradigma do Estado Democrático de Direito. Breves Anotações. Controle de Constiticuinalidade: Teoria e Prática. Salvador: JusPodivm, 2006. Material da 1ª aula da Disciplina Teoria Geral do Controle de Constitucionalidade, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito do Estado – Anhanguera-Uniderp|Rede LFG. Pág. 13
[2] MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional – São Paulo: Saraiva, 2007, Pág. 955.
[3] CUNHA JUNIOR, Dirley. Controle de Constitucionalidade: Teoria e Prática. Salvador: JusPodivm, 2006. Material da 2ª aula da Disciplina Teoria Geral do Controle de Constitucionalidade, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito do Estado – Anhanguera- Uniderp|Rede LFG. Pág. 10
[4] MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional – São Paulo: Saraiva, 2007, Pág. 954.
[5] Nesse sentido anota J. J. Gomes Canotilho que, consoante a formulação kelseniana de jurisdição constitucional, o controle de constitucionalidade não é propriamente uma atividade de fiscalização judicial, mas uma função constitucional autônoma, que se pode caracterizar como função de legislação negativa (Direito Constitucional e Teoria da Constituição, p. 833-834). In: CUNHA JUNIOR, Dirley. Controle de Constitucionalidade: Teoria e Prática. Salvador: JusPodivm, 2006. Material da 2ª aula da Disciplina Teoria Geral do Controle de Constitucionalidade, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito do Estado – Anhanguera- Uniderp|Rede LFG. Pág. 12
[6] CUNHA JUNIOR, Dirley. Controle de Constitucionalidade: Teoria e Prática. Salvador: JusPodivm, 2006. Material da 2ª aula da Disciplina Teoria Geral do Controle de Constitucionalidade, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito do Estado – Anhanguera- Uniderp|Rede LFG. Pág. 12.
[7] CUNHA JUNIOR, Dirley. Controle de Constitucionalidade: Teoria e Prática. Salvador: JusPodivm, 2006. Material da 2ª aula da Disciplina Teoria Geral do Controle de Constitucionalidade, ministrada no Curso de Pós-Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito do Estado – Anhanguera- Uniderp|Rede LFG. Pág. 11.
Este texto foi organizado por ADOVALDO DIAS DE MEDEIROS FILHO: Advogado Associado de Alino & Roberto e Advogados, Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília - UnB e Pós Graduando em Direito do Estado. Brasília - DF
Matéria publicada originalmente no site Conteúdo Juridico
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